quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"inclusão" sem participação

Considero a Universidade Federal do Rio Grande do Sul quase como minha segunda casa, e tenho profundo respeito e afeto por essa instituição tão importante na vida acadêmica mundial, nacional e na minha formação profissional. Apesar de todas as dificuldades de estrutura, ainda é uma referência para o ensino e pesquisa.
Também há uma imensa maioria de servidores – professores também são servidores e por isso não faço diferenciação – abnegados por fazer sempre o melhor. São eles que fazem a universidade pulsar e ter as evoluções que já teve, que fazem com que muitas coisas legais aconteçam e que as coisas sejam cada dia melhor, ou ao menos tentam que assim seja.
No entanto, o afeto que tenho pela UFRGS não me impede de criticá-la, muito pelo contrário, é exatamente por desejar o melhor para ela que muitas vezes me manifesto criticamente sobre algumas situações que acontecem no cotidiano acadêmico ou nos problemas que existem em diversas esferas. Eu quero que tudo seja cada dia melhor, e acho que com minhas reflexões e com minhas observações, posso fazer a minha parte para que as coisas fiquem ainda melhores.
No que tange às políticas de inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência, embora oficialmente a instituição afirma que essas ações ocorrem desde os anos 1980, discordo que isso seja verdade, ao menos de fato. Foi inicialmente em 2005 e depois em 2008 mais fortemente, que acessibilidade e atendimento a pessoas com alguma necessidade específica foi implantada na UFRGS, com a adesão ao Programa Incluir, primeiramente coordenado pelo Professor Hugo Bayer e, posteriormente, pela professora Adriana Thoma.
Comecei a ser atendido pelo Programa Incluir em 2008 e já mencionei muitas vezes sua importância fundamental em meus estudos. Não pretendo ficar me repetindo, mas nesse caso é preciso dizer que sempre fui tratado com acolhimento, e assim como os demais usuários, sempre fui consultado sobre alguns novos rumos ou possibilidades de melhoria dos serviços. Logo, nós alunos atendidos sempre tivemos voz e participamos ativamente da construção do programa.
Em Julho desse ano, nós usuários fomos surpreendidos por uma mudança de rumos na acessibilidade empreendida na UFRGS. Foi criado o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da universidade que passou a substituir o Incluir. Até então, tudo muito bem, pois sempre lutamos para que esse espaço fosse construído, o problema foi como as coisas ocorreram.
Não irei pessoalizar as questões que citarei a partir daqui, pois todas as atitudes foram tomadas institucionalmente e bem ou mal, é uma postura da universidade e de seus representantes. E, essa é uma opinião minha como usuário e não reflete nada além de meu posicionamento.
Como transito em inúmeros ambientes e instâncias da UFRGS pelo bom relacionamento que tenho com muita gente de todos os setores, acabo sabendo de muitas coisas e uma delas foi o modo como o tal núcleo foi concebido e, por isso, sei de muitos fatos que geraram a criação desse setor.
Dentre tantos fatos dos quais discordo sobre a criação no núcleo de inclusão e acessibilidade, o principal e o que eu gostaria de comentar aqui é a completa ausência de diálogo com os usuários. Quando começou a ser concebido, os alunos atendidos não foram sequer convidados ao diálogo para a construção do núcleo de acessibilidade.
Um dos fundamentos atuais da acessibilidade e dos direitos das pessoas com deficiência é que os sujeitos que pertencem a esse grupo devem participar de todas as concepções e tomadas de decisão relativas às suas vidas e suas posições na sociedade. Uma universidade que deveria primar pela construção de propostas chamando seus alunos - nesse caso com deficiência – para empreender diálogos e participação destes nos diferentes espaços.
Em nenhum momento as pessoas com deficiência da UFRGS foram convidadas a ter sequer uma conversa que fosse sobre a forma como seria concebido o núcleo de acessibilidade. Tudo foi decidido no gabinete, sem ouvir as ideias que poderíamos ter para melhorar a logística ou a qualidade dos serviços prestados.
Esperei alguns meses até escrever esse texto, já que por mais que eu sempre tivesse duvida de desse formato unilateral como o núcleo foi constituído, deixei as coisas acontecerem para ver se ao menos em algum momento seriamos convidados pela atual coordenação a estabelecermos uma interlocução e contribuirmos de alguma maneira para a melhora da acessibilidade na UFRGS. Mas para a minha decepção, nada foi feito nesse sentido, e tudo parece estar em inércia, situação que a mim não agrada nem um pouco.
Vejo e vivo diariamente os problemas acontecendo, e até já tentei apresentar algumas soluções, mas infelizmente, nada foi feito de concreto para que as coisas mudem e sejam implementadas ações efetivas de acessibilidade arquitetônica e atitudinal. É uma pena que tudo tenha ficado em suspenso, e pior é notar que pouco ou nada mudará nos próximos tempos.
Acho que participar de formações no MEC é sempre importante para capacitar mais os gestores vinculados a essa área, no entanto, posso dizer sem nenhuma modéstia que dentro da própria UFRGS existem pessoas com deficiência atualmente ou que já passaram por nossa universidade que são tão ou mais capacitadas para realizar formações em acessibilidade;
Não é necessário ir tão longe para ter essas aulas, bastaria olhar em volta e bem perto encontrariam pessoas que poderiam ajudar muito nessas “novas” perspectivas. O que acontece é que muita gente tem uma visão mais limitada do que a minha, mesmo enxergando com plenitude.
Mais do que usuários capacitados para realizar esses processos, consultar os alunos com deficiência da UFRGS é importante por termos conhecimento das realidades de nossa instituição, por conhecermos como as coisas funcionam em nossos cursos com suas especificidades e por uma questão de respeito àqueles que são a razão de existir da UFRGS, que são seus próprios alunos.
Nós alunos com deficiência também desejamos ter voz e vez nos debates sobre a construção da universidade, e não só sermos vistos como estranhos, ou como “garotos propaganda” de ações inclusivas para as quais nem fomos convidados a participar.
Enfim, creio que firmar e implementar uma proposta de inclusão sem a parceria com seus alunos com deficiência, é como o orvalho que evapora antes de chegar à flor, ou seja, suas funções práticas não são cumpridas plenamente.
Mais do que solicitar e receber atendimentos, queremos participar ativamente do processo de implantação e desenvolvimento dos rumos que o núcleo de acessibilidade venha a tomar. Afinal, é por causa, por e para as pessoas com deficiência que esse setor existe, e é sempre bom recordarmos disso.

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