quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Obrigado, Programa Incluir!

Se há uma coisa que tenho de bom é a memória, talvez por isso, eu sempre me lembre das oportunidades que tive na vida e dos momentos marcantes proporcionados por determinadas pessoas. Sei que a vida é feita de ciclos, mas nunca um afeto antigo será substituído por um novo, muito menos sairei por ai espezinhando o que passou, porque acima de tudo eu tenho sensibilidade e gratidão.
Em 2005, eu ingressei na UFRGS ainda como calouro do curso de Pedagogia. Por mais que eu tivesse uma hora a mais para realizar a prova, pouco ou nada adiantou porque o tamanho da letra era o mesmo e as imagens não eram descritas. Quando passei a frequentar os diferentes campi, percebi que os ambientes eram absolutamente inacessíveis. Embora existam leis que determinem a implantação da acessibilidade, os obstáculos continuam lá passada uma década.
Quando comecei a graduação nessa universidade os materiais não eram adaptados e eu tinha que me virar. Não havia NADA que proporcionasse acessibilidade para a permanência de alguém com deficiência no meio acadêmico. E, como persistente que sou, continuei mesmo assim.
Naquele ano, surgiu o edital chamado Programa Incluir, mas o conheci apenas no ano seguinte pela televisão. Descobri que a universidade tinha aderido, mas infelizmente, o professor Hugo Bayer que tanto desejou sua implementação, faleceu em um acidente aéreo. Pior ainda, os equipamentos  de acessibilidade ficaram anos encaixotados enquanto muitos de nós precisavam deles.
Algum tempo passou e eu até desisti de esperar que tudo aquilo me beneficiasse. Até que em 2008, concluía o curso e estudava para a seleção do mestrado que aconteceria naquele período, fiquei sabendo que o Programa Incluir finalmente passava a atender os alunos. A professora Adriana Thoma - coordenadora do programa – incentivou-me a ir até lá e ver como as coisas funcionavam. Estranhei um pouco porque estava acostumado que as instituições de ensino dificultassem ao invés de facilitar a minha vida.
Meus campos de estudos eram dentro da área da inclusão cultural, mas não sabia exatamente o que estudar, pois são tantas coisas que precisam mudar... Queria pensar em algo que fizesse diferença na vida das pessoas com deficiência, pensando naquilo que elas podem fazer, pensando nelas não como seres exóticos, mas como sujeitos que tem o direito a viver sua diferença.
Certo dia, fui até o Programa Incluir e encontrei a professora Adriana por lá. Convidou-me para uma conversa, e fez a pergunta que mudou a minha vida: “do que você precisa?”. Como pessoa com deficiência eu era obrigado a aceitar com muita alegria as migalhas de acessibilidade que as pessoas me davam.
Mas naquele dia não, ali se pensava no Felipe não como um defeituoso, mas como uma pessoa que tinha direito a ser como é. Eu nunca tinha me sentido tão acolhido e bem quisto na minha vida. Passei a ir lá seguidamente, mesmo quando não tinha materiais para pedir, apenas para estar naquele ambiente onde eu era bem tratado e que a minha diferença não era questionada.
E, encontrei meu campo de pesquisas: inclusão com acolhimento! Mais do que isso, tendo os materiais de estudos e a prova para o mestrado adaptada, tudo ficou bem mais fácil. E digo com todas as letras que sem o Programa Incluir eu até poderia ter sido aprovado, mas teria ido ainda mais difícil do que foi. E eu nunca poderei dimensionar o tamanho da minha gratidão, pois a vida acadêmica foi, é e será sempre o que eu quero para o resto da minha vida.
Conclui o mestrado em 2010, e fui aprovado no processo seletivo para o doutorado nesse mesmo ano, e também por conta dos materiais ampliados consegui cursar e aproveitar ao máximo todas as possibilidades de conhecimentos. Afinal, eu tinha acessibilidade aos materiais e sabia que as demandas que eu solicitasse fossem ao menos avaliadas.
Foi através do Programa Incluir que a audiodescrição passou a ser fomentada institucionalmente, quando da primeira formatura feita com AD. Fizeram também capacitações em audiodescrição formando inclusive profissionais que atuam em diferentes ambitos da universidade. Eis aqui outro mérito, muitos bolsistas dos cursos mais variados passaram por lá, atualmente trabalham na área da inclusão e até fizeram disso sua profissão.
Foram incontáveis as ocasiões em que a inacessibilidade arquitetônica me causou problemas inclusive de ferimentos físicos na universidade. Como da vez em que a UFRGS “arrendou” o campus central para um congresso sobre saúde, e tornou o lugar um campo minado para mim. Quando fui reclamar para as diversas instancias. TODAS as pró-reitorias ficaram com aquele “jogo de empurra” e não resolveram o caso, enquanto eu era obrigado a fazer curativos por conta dos ferimentos causados por aquele absurdo.
O ÚNICO lugar onde minhas reclamações sobre falta de acessibilidade na UFRGS eram ouvidas e havia tentativa de resolução era no Programa Incluir. Pois nos demais lugares eu era o “cri-cri” ou ainda era obrigado a ouvir: “não podemos fazer nada, quem sabe daqui algum tempo“. Acho que eles não se recordam que leis não se procrastinam, se cumprem. Mais do que isso, prover acessibilidade não é conceder caridade ou beneficio, mas uma obrigação constitucional.
Gostaria aqui de agradecer e parabenizar a professora Adriana Thoma por ter coordenado o Incluir por esses seis anos, e por ter mudado a vida de tanta gente. A gente sabe que nem tudo é perfeito, mas tudo pode ser relevado com diálogo e afeto, coisa que nunca te faltou; Obrigado por ter feito a pergunta que mudou a minha vida e por ter ficado à frente desse programa de vanguarda e que sempre nos acolheu tão bem, pensando na gente como pessoas e não como números.
Foi também através do Incluir que fiz vários amigos, Mariana, Rafael e Ariane, meus queridos amigos e “colegas” de baixa visão. Assim como, Fabiana, Bianca, Thayse e Liliane, foram amigos que encontrei por lá. E se não fosse o Incluir, talvez eu nunca os teria conhecido. Pode ser que eu tenha esquecido de algum fato ou pessoa, mas ao contrário de outrem, não é um apagamento de memória intencional, mas fruto de algum lapso nesse momento.
No dia 5 de Agosto de 2014 foi inaugurado o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da UFRGS, assumindo as funções do Incluir. Espero de coração que sejam seguidas as políticas de acolhimentos das pessoas e que tenhamos nossas necessidades supridas. Espero que esse departamento conte com profissionais capacitados para atuar na área e que as pessoas com deficiência atendidas sejam chamadas para construir essa proposta nova.
Sei que todos os esforços serão feitos no sentido de remover as barreiras atitudinais e arquitetônicas na universidade. Afinal, há mesmo muito trabalho a fazer ainda. Logo irei terminar o doutorado e sair da UFRGS, mas espero que este núcleo possa ajudar a tantas outras pessoas com deficiência que ingressam na universidade a se sentirem acolhidas e que sejam dadas as condições de permanência a todas elas, contemplando suas necessidades.
Porém, é como eu disse antes, um afeto antigo jamais será substituído e em tempos de tantas mudanças, o importante é olhar para frente sem esquecer que houve um passado. E se esse texto for lido hoje ou daqui dez anos, gostaria de expressar todo meu carinho e gratidão pelo Incluir e por todas as pessoas que o construíram. E enquanto a minha luta pelo acolhimento prosseguir, uma chama do Incluir continuará acesa.

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